A Sombra de Santos Dumont

A Sombra de Santos Dumont

Sylvio Costa Filho

A sombra que caminhava para o hotel era a silhueta do aviador. Santos Dumont.

E o homem que a olhava, apesar de manter a postura do outro tinha pensamentos alheios. Era o ator. O ator que vestia o personagem. Fim de trabalho. 22:40h. São Paulo. Anhembi. O caminho que levava ao hotel. Hoje foram 12 horas de desempenho. 12 horas mantendo em si o olhar, o gesto, a alma do inventor. Alguns passam e o cumprimentam com sorrisos cúmplices. Boa noite, Santos! Como vai, Alberto? E o avião?

Diante daquela figura que caminha pela noite as pessoas viram crianças, em um brinquedo secreto. O inventor e a imaginação...

E os passos continuam vencendo a noite e se aproximando das luzes do hotel. A sombra ganha corpo ao subir as escadas, atravessar a porta giratória e surgir no espaço povoado e festivo da recepção e do restaurante. Luzes. Música. Novamente Santos Dumont é reconhecido por todos. Os sorrisos desenham-se nos rostos. Todos viajam no tempo e tocam o território do impossível que se torna possível. Ali. O ambiente muda com a chegada do personagem. Cada um que o avista chama os outros. Olhem, é o Santos Dumont!

E ele sorri e vai acenando, respondendo às manifestações de todos. Dirige-se ao elevador. Sobe para a solidão do quarto que o espera. O camarim secreto onde a fantasia forjou-se e agora será desmontada.

Ao sair do elevador, dá um último olhar em direção ao grande espelho e entra no corredor. Ficam os rastros do personagem que desaparece, entrando pela porta do 930. Depois sairá o ator. Incógnito, em sua verdadeira identidade.

No espelho do banheiro começa a transformação. Com um puxão da mão é retirado o bigode. Antes de passar o óleo removedor da maquiagem lá se vão o chapéu, a gravata vermelha, o colarinho alto, o paletó risca de giz. Os olhos do ator fixam por um instante o que ainda resta do personagem. De repente o rosto inicia a transformação. A tinta que marcava os olhos escorre pelo rosto, as cores do outro começam a desaparecer no algodão e por trás delas vai surgindo a face verdadeira. A cor do cabelo também é removida. Por fim, ele tira toda a roupa do inventor, abre o box do banheiro e entra. O banho quente devolve a vida do ator e marca provisoriamente o desaparecimento do personagem. O “pai da aviação” voltou para os céus da memória e para as nuvens da imaginação.

No outro dia, ele, o ator, à janela do avião, olha o espetáculo das alturas e sorri secretamente. Está ali, graças ao outro. Da mesma forma que lá esteve também porque ele existiu e deixou sua presença marcada na alma do Brasil e dos brasileiros. Todos queriam fotografar a seu lado. Todos faziam questão de posar, mostrando-se amigos do grande brasileiro.

E o aniversário dele estava próximo. 20 de julho. Parabéns Alberto Santos Dumont!

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