Postagens

Mostrando postagens de 2010

OLHOS PARADOS cap.10

10 As lágrimas que rolaram aquele dia levaram um pouco do José Carlos menino e foram lavando a estrada para os passos de um outro José Carlos. D. Eunice e o Brito estranharam algum tempo aquelas mudanças nos hábitos do filho, mas depois acostumaram. Ele passava bastante tempo lendo. Às vezes, parava e ficava pensando... Outra vezes, escrevia com tanta vontade que parecia alguém com muita sede quando encontra água pura. As brincadeiras foram mudando, escasseando. Na escola ele arranjou outros amigos e amigas. O morro também começava a se modificar. As serestas foram diminuindo. As músicas foram mudando, sendo esquecidas. Bem-te-vi quase não aparecia mais, até que sumiu de vez e não se ouviu mais falar dele. Bem, mas ainda houve um domingo, à noite... Na cidade existia aquele programa de calouros na antiga rádio Difusora PRD3. A Hora do Galo. E naquele domingo o Bené foi lá participar. José Carlos e alguns outros foram para o campo, com um rádio de pilha para ouvir qual

OLHOS PARADOS cap. 9

9 Os olhos parados e a respiração suspensa do senador Brito Júnior pareciam ser a radiografia de todo o país. Havia um impasse. Mas se por um lado o trauma criara um compasso de espera, por outro começava a haver uma mobilização em nome daquelas questões que o Senador já vinha levantando em todo o território nacional. Agora que a sua ação inviabilizara-se, paradoxalmente cresciam os resultados, pois a mídia trazia a todo momento o seu ideário à baila. Tentaram por alguns momentos abafar o acontecido, mas já era tarde, a nação estava mobilizada. O episódio, no plenário do senado, fora forte demais e penetrara profundamente na alma da população. As manipulações subsequentes não conseguiram abafar as repercussões. O homem que tanto falara, quando se calou provocou com o silêncio a avalanche que suas ideias refletiram nos ecos da multidão. As imediações do hospital onde foi internado era o ponto de encontro dos vários grupos que chegavam de todos os lados. Improvisavam-se comícios, pa

Praia do Flamengo, 132: pedra fundamental!

Praia do Flamengo, 132: pedra fundamental! Sylvio Costa Filho (Ator e Professor) Foi nos anos 70, quando eu desci do ônibus naquele endereço e olhei lá para a porta e para a sacada, ao ver aqueles rostos e aquele prédio, o meu coração bateu mais forte. Escola de Teatro no 2º andar, Conservatório de Música no 1º andar. O nosso velho prédio: a sede da Une que foi incendiada e que ainda possuía as marcas da repressão da ditadura. Lá, no palco, que nós chamávamos de “palcão” ainda havia os vestígios do que ocorrera. Lá, eu passei muitos dos melhores dias da minha vida, as aulas da faculdade de Teatro, com os mestres: Bárbara Heliodora, José Renato, Henrique Oscar, Pernambuco de Oliveira, Yan Michalski, Amir Hadad, Ausônia, Glorinha Beutenmuller e tantos outros; a convivência com os amigos, o diretório acadêmico, o bar “Cabanas” lá embaixo, a efervescência de nossa jovialidade e resistência aos anos de chumbo... Além da arte, o que nos unia também era o amor por aquele prédi

Socorro sem água

Socorro, Socorro sem água, com fome. Socorro e seus baldes indo e voltando. Socorro e seus filhos andando e cansando. Açudes distantes pequenos barreiros caminhos custosos na trilha da sede. Socorro e as vizinhas em lágrimas secas. Nos sujos barreiros pessoas e bichos na guerra da vida. Na trilha dos medos faltando farinha sobrando miséria.

Nobel para Mario Vargas Llosa

Imagem
Peruano Mario Vargas Llosa vence o Prêmio Nobel de Literatura Da Redação* O escritor peruano Mario Vargas Llosa, que venceu o Prêmio Nobel de Literatura 2010 O escritor peruano Mario Vargas Llosa é o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura 2010, anunciou hoje a Academia Sueca em sua sede, em Estocolmo. Como prêmio, vai receber 10 milhões de coroas suecas (US$ 1,5 milhão). OS 10 ÚLTIMOS VENCEDORES 2009 Herta Mueller (Alemanha) 2008 Jean-Marie Gustave Le Clezio (França) 2007 Doris Lessing (Grã-Bretanha) 2006 Orhan Pamuk (Turquia) 2005 Harold Pinter (Grã-Bretanha)

Olhos Parados (Capítulo 8)

8 Já haviam levado o corpo. Tudo ficara muito estranho. A sensação que o Zé Carlos tinha agora era parecida com aquela quando as casas ficavam soterradas debaixo das barreiras. Era aquele frio interior misturado com chuva, lama e tristeza. Outra lembrança que surgia naquele momento era daquele homem que gritava em algumas noites. O Seu Edinho. Um homem bom, mas que às vezes enlouquecia e saía quebrando tudo, urrando e chorando. Seus gritos eram terríveis. Era um lamento longo, desesperado, que entrava feito faca pelos ouvidos do garoto e depois iam se alojar em algum canto escuro da sua alma. Nesses momentos, Dona Eunice punha-se a trabalhar mais e mais, em sua máquina de costura, pedalando, pedalando como se quisesse superar aquele barulho. E sempre chamava o José Carlos para ajudar em alguma coisa. Queria distraí-lo, arrancá-lo daquela dor que explodia pelo morro. O Seu Edinho desapareceu. Os gritos ficaram dormindo lá no interior do garoto. Da mesma forma que a imagem d

Cartas à Poesia (3)

Mesmo quando aqui não estás e as ondas sombrias do mundo nos afogam, sobra uma vaga lembrança que vaga por nossas entranhas, misturada às sombras que passam. Mesmo quando pareces ter partido sufocando para sempre nossas almas, paira no vazio um murmúrio que sopra em nossos sentidos os versos do inverso de tudo. E mesmo o nosso desânimo e a fosca tristeza dos olhos traem outros traços da paisagem que só são visíveis àqueles que em tuas terras tocaram. sylvio 2010

Cartas à Poesia (2)

És o gênio que me acompanha, a gota d'água no deserto que se transforma em rio manso. És o tesouro que se apresenta quando a miséria se faz intensa. E és o Portal do Paraíso quando o Inferno se faz exílio. sylvio 2010

Cartas à Poesia

Entre tantas tempestades fugi para o teu oásis. Visitei teus aposentos em hora em que não estavas. Mas senti o teu perfume em teus rastros pela casa. Pairava em tudo uma calma e a alma da paz sussurrava... Pensei em deixar um bilhete, mas me contive e saí. Daí só levei o silêncio e a brisa que me trouxe a vida. sylvio 2010

A Arte

No silêncio do interdito nasce a arte entre o dito e o não dito longe do desastre muito além do mercado. Em um olhar que se descobre solitário e que encontra o todo em um íntimo detalhe. Uma hora mágica fora da teia dos ponteiros alheia à trama do tempo avessa às trevas dos homens. Nasce a arte asa que atravessa a fenda dos limites ao encontro da claridade. sylvio 2009

Somos todos educadores e políticos.

Somos todos educadores e políticos. Sylvio Costa Filho Ator e Professor Nesse tempo de eleições e debates é bom que se faça uma reflexão no sentido da importância de nossas afirmações e de nossas ações. Fala-se muito, já é quase que um truísmo dizer que a educação é questão estratégica e condição essencial para que nossa sociedade tenha um real desenvolvimento. Da mesma forma cobra-se dos políticos um desempenho eficaz e, ao mesmo tempo, muitas pessoas, e, às vezes, até mesmo, infelizmente, professores pregam o voto nulo e a indiferença em relação às escolhas que serão feitas em outubro. E, por outro lado, tanto políticos quanto professores são culpabilizados por não exercerem suas funções a contento e serem os responsáveis pelos péssimos índices apresentados pela educação pública. Mas e a sociedade? E a participação? Não haverá consolidação de democracia alguma se não houver participação. Ouço pessoas dizerem que já estão cansadas, que desanimaram e que, agora, não p

d'O Azul do Zen

…casas e casas e casas subindo pelas encostas casas e casas e casas trepando umas nas outras casas e casas e casas e casas e parabólicas gritos, latidos e uivos neblina colorindo tudo… 13/7/97 Sylvio

d'O Azul do Zen

O azul do céu é o azul do Zen é o nada colorido a morada desse tudo é o ar é o ar a respiração do mundo. 4/7/97 Sylvio

Menino (d'O Azul do Zen)

O menino pobre o menino no banco da noite sentado no olho arregalado da sorte o menino olhando fixo a estrela o menino tentando entender tanto brilho o menino… 3/7/97 Sylvio

d'O Azul do Zen

O inverno se atrasou mas veio vestindo as árvores soprando montanha abaixo. 1/7/97 Sylvio

d'O Azul do Zen

O poeta costurou o silêncio com a linha de pérola da lua em ritmo de agulha e movimento. Dezembro de 96 Sylvio

d'O Azul do Zen

Os dedos que apontam erros nos passos da vida alheia não são acertos, são medos insetos presos na teia. Outubro de 96 Sylvio
A cortina só existe nos olhos de quem se fecha pois quando o dia termina a noite abre-se em festa. Outubro de 96 Sylvio
Primavera caminhando entre os pingos vindo. Depois dos muitos frios chegando. Primavera vem mostrando os sorrisos das primeiras cores se abrindo. Primavera dos seios à mostra, botões e pétalas janelas abertas. Verdades perfumadas cantando primavera dançando. Voando bem-te-vis maritacas em bando. Primavera primaverando. Setembro de 96 Sylvio
Pele de poema revestimento do mundo. Pálpebras dos olhos de Buda. 27/5/96 Sylvio

Vento e caminho (do Azul do Zen)

Vento pra dentro do sábado, venta. Redemoinho do tempo. Folhas varridas das árvores sentam… Redes, caminhos de sempre. 18/5/96 Sylvio C. Filho

Manoel de Barros

Imagem
Manoel de Barros O menino aprendeu a usar as palavras. Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens. Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto no final da frase. Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. O menino fazia prodígios. Até fez uma pedra dar flor! A mãe reparava o menino com ternura. A mãe falou: Meu filho, você vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com as suas peraltagens. E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos . Manoel de Barros [ Principal ][ Releituras ][ Biografias ][ Novos Escritores ] © Projeto Releituras Arnaldo Nogueira Jr 13/07/2010 - 11:42:28 Nome: Manoel de Barros Nascimento: 19/12/1916

Sylvio Adalberto, a natureza e os "Poemínimos"

Imagem
Sylvio Adalberto "Apenas um apaixonado pela natureza. Como tal, gostaria de vê-la preservada e protegida. Creio sinceramente que para preservar é preciso conhecer. Ninguém protegerá aquilo que desconhece. Para que isso aconteça primeiro é fundamental que haja uma mudança de consciência. Temos de acabar com a mentalidade instaurada de que não temos nada com isso.Temos sim! Tudo o que acontece no mundo em que vivemos é de nossa inteira responsabilidade. Enquanto houver gente dormindo na rua, famílias sem direito a um teto, um pedaço de terra para plantar e um pedaço de pão para driblar a fome, enquanto houver cachorros comendo filé e crianças morrendo de fome, nada mudará no mundo. O exemplo deverá começar não dentro de nossa casa, mas dentro de cada um de nós. É preciso antes de tudo querer ser melhores do que somos. O caminho é refrear o consumismo, a sede de supérfluo que invadiu o mundo. E a salvação é começar pelas crianças. Tenho consciência de que tenho feito minha parte.

Olhos Parados (Capítulo 7)

7 Simon Bolívar, sentado no boteco, lia trechos das aventuras de D. Quixote, enquanto Bem-te-vi acompanhado do violão do Léo cantarolava uma música que ia ficando triste, tão triste que lágrimas desciam pelo rosto de todos. Depois lá estava Bolívar, subindo o morro, festejado em seu triunfo. Montava um cavalo branco, sem cela. Havia uma multidão no campinho e no pasto. De repente, um rosto conhecido: Manuelita Sanchez que acenava para o herói. Seu sorriso era amplo e ela estava nua da cintura para cima. Mas aqueles eram os seios de Catinha. Sim, era Catinha. Seus acenos tocavam o corpo do Zé Carlos, mas aquelas mãos não eram Catinha. Era o Dodô. E o Simon, de novo no bar, ia guaguejando, gaguejando até não conseguir mais contar sua história. Parecia triste. Seu cavalo agora era um magro pangaré e ele, Simon, agora era o Sabão, olhando fixamente para o garoto, enquanto sobre a mesa desabava um castelo de cartas e em seguida o Sabão caía fulminado, na mesa do bar, em cima d

Saramago: a palavra com-paixão

Imagem
Saramago: a palavra com-paixão 07-Jul-2010 Autor: Jorge Miguel Marinho “A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver.” José Saramago Se não me tocassem tão fundo “coisas” mais sensivelmente humanas na vida e na obra de Saramago - estas duas porções irmãs que nele nunca se separaram -, eu poderia iniciar esta breve homenagem dizendo que ele foi o único escritor em língua portuguesa premiado com o Nobel de Literatura. Não o faço e nem Saramago faz tanta questão dessa minha menção ao título por ele tão merecidamente recebido. De José Saramago - nascido na pequena aldeia portuguesa de Azinhaga em l6 de novembro de 1922 e provisoriamente morto na ilha espanhola de Lanzarote em l8 de junho de 2010 - prefiro e sou plenamente motivado por ele a falar da sua expressividade maior: a palavra “com-paixão”. E a palavra compaixão é utilizada aqui no sentido etimológico de comunhão

LIvros de Saramago

Poesia 1966 - "Os Poemas Possíveis" 1970 - "Provavelmente Alegria" 1975 - "O Ano de 1993" Prosa 1947 - "Terra do Pecado" 1977 - "Manual de Pintura e Caligrafia" 1978 - "Objecto Quase" 1980 - "Levantado do Chão" 1982 - "Memorial do Convento" 1984 - "O Ano da Morte de Ricardo Reis" 1986 - "A Jangada de Pedra" 1989 - "História do Cerco de Lisboa" 1991 - "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" 1995 - "Ensaio Sobre a Cegueira" 1997 - "Todos os Nomes" 1997 - "O Conto da Ilha Desconhecida" 2000 - "A Caverna" 2002 - "O Homem Duplicado" 2004 - "Ensaio Sobre a Lucidez" 2005 - "As Intermitências da Morte" 2008 - "A Viagem do Elefante" 2009 - "Caim" 2010 - "O Caderno 2" Ensaios 1971 - &

Morre Saramago

Imagem
18/06/2010 - 14h20 "Mundo ficou mais burro e cego hoje", diz Fernando Meirelles sobre morte de Saramago Da Redação O cineasta Fernando Meirelles lamentou nesta sexta-feira (18) a morte do escritor português José Saramago. Leia abaixo o comunicado oficial de Meirelles, que adaptou a obra "Ensaio Sobre a Cegueira" para os cinemas em 2008 e cuja produtora, a O2 Filmes, está co-produzindo documentário, atualmente em fase de finalização, sobre os últimos anos de Saramago e sua mulher, Pilar Del Río. Leia aqui a repercussão completa da morte de Saramago. * Manuel de Almeida / EFE Fernando Meirelles (e) e José Saramago (d) durante apresentação do filme "Ensaio Sobre a Cegueira" em Lisboa, Portugal (27/10/2008) * VEJA FOTOS DA TRAJETÓRIA DE SARAMAGO * TRECHOS DE SABATINA DA FOLHA COM AUTOR "A última vez que me encontrei com Saramago foi em Penafiel, em Portugal, em novembro passado, onde ele foi homenageado, mas na verdade tenho convivido muito com ele ultima

Última entrevista concedida por José Saramago à Folha

Imagem
Sylvia Colombo Enviada especial a Lisboa Confira abaixo a reportagem Um vento frio batia no vilarejo de Alcochete, que fica à beira do rio Tejo, a poucos quilômetros de Lisboa, na noite da última terça-feira. Ali, num shopping moderninho a céu aberto, "Ensaio Sobre a Cegueira" teve uma acanhada pré-estréia, na terra do criador de sua trama, o escritor e Prêmio Nobel português José Saramago, 85. Ao lado do diretor do filme, Fernando Meirelles, Saramago fez um curioso comentário. "A última vez em que estive em Alcochete, aqui só havia burros." Sentiu-se, então, um silêncio constrangedor na plateia. Tuca Vieira 28.nov.2008/Folhapress José Saramago antes da sabatina promovida pela Folha, em São Paulo Mas ele logo explicou o que queria dizer. No passado, a região era conhecida por ser um lugar onde burros de carga vinham tomar água e se alimentar. Mas, agora, parecia ter se tornado apenas mais um lugar a sucumbir ao capitalismo. Logo ouviram-se r

Heróis e heroínas (Aos meus alunos da escola pública)

Heroínas são as meninas, algumas filhas de pais alcoólatras, que vão dourando suas pilulas, outras, que dos padrastos foram vítimas, violentadas, na violência das vidas. Heróis são os rapazes que enfrentam, audazes, a escravidão dos seus dias, já, em uma tenra idade. Heróis e heroínas esses jovens do Brasil que suportam semanas a fio o fardo pesado da sina. Enquanto, lá em cima, uma elite insensível navega na hipocrisia.

Pipa (d'o Azul do Zen)

E a pipa branca brinca e brilha lá no céu com o sol que dança. Fevereiro de 96

Olhos Parados - Capítulo 6

6 A cena do senador desabando no plenário apareceu em todos os telejornais da noite. Só se falava nisso. No outro dia, de manhã, era a manchete dos principais jornais. Aquele momento do país fez com que o desmaio e a conseqüente ausência das faculdades físicas e mentais do Brito Júnior assumissem a dimensão de uma crise nacional. Uma crise que dependendo do desfecho poderia vir a se tornar uma tragédia. A figura do senador foi se transformando e ganhando contornos de um mito. Rapidamente estabeleceu-se uma rede em todo o país e as mais variadas histórias começaram a se espalhar. Versões fantasiosas sobre as possíveis causas da doença circulavam por todos os cantos. A cada momento, um novo boato. Pressões, tentativas de assassinato por envenenamento, conspiração e tudo que a imaginação ia costurando e entregando ao mercado das especulações. O “mal de Brito” já era o assunto preferido de todas as rodas e reuniões. Já suplantara as discussões de futebol e o comentário das no

À Cayenne (do Azul do Zen)

Alta a lua cheia pedra brilhante da noite lá no espelho dos montes. 6/5/96

Do dia (do Azul do Zen)

Os sons edificando o dia os pios os cantos os risos das crianças a marreta na pedra o martelo no prego a serra elétrica… Fábricas, máquinas. A mãe que chama, a porta que bate. Um avião cruzando o céu do vale e o ônibus ladeira abaixo… Cai a tarde castelo de cartas sobra o sol adormecendo no sem-fim das seis horas. Os sinos do ângelus vão abrindo, pelas catedrais, pelas torres as portas futuras da noite. 1/9/95

Mãe e filho (do Azul do Zen)

A mão da mãe na mão do filho. Encostada, colada na estrada caminhando nos pés do destino: a mãe pobre e seu menino. Lá se vão para o trabalho nos braços da segunda-feira. Meio tristes, meio sorrindo de mãos agarradas na vida tentando de toda maneira. Enquanto a mãe pobre caminha o menino na sua mão é toda a riqueza do mundo e tanta esperança que pulsa. 29/8/95

manhã

Pedaços de sol caem das folhas das árvores lavando a manhã. 6/7/93

Junho

Junho de vento e frio... Palavras surgem na névoa, Os olhos nascem na vidraça. Imagens despertam mistérios e O dia passa em silêncio. A noite vai se aninhando acendendo um fogo de encontro sonhando fumaça de estrelas. Os olhos adormecem na vidraça. Palavras somem na névoa. Junho de vento e frio... 4/6/93

Olhos Parados - Capítulo 5

5 A imagem do Sabão, lá no bar, estava marcada no pensamento do Zé Carlos. Aquele jeito de falar, aquele olhar... Agora ele, já na cama, pegou o livro e foi direto lá pras terras do Simon Bolívar. Por um instante ainda lembrou da Catinha e da mão do Dodô. Levantou, foi até o banheiro, lavou o rosto mais uma vez como se quisesse apagar alguma coisa dentro de si. Já tomara banho, mas parece que só então lavava definitivamente o rosto e com ele certos pensamentos. Era um ser dividido. Um estava no mundo da Catinha, do Dodô, do Chico Defunto, do Léo, do Bem-te-vi; outro estava no planeta do Sabão, junto com as aventuras do Simon Bolívar. Como equilibrar esses mundos? Como aproximar essas realidades? Não, agora não havia jeito. Deixou que uma das partes fosse embora pelo ralo da pia junto com a água que ia sumindo. Olhou-se no espelho e de novo ouviu aquela voz que perguntava e respondia: - O que você quer de mim? - De você, eu quero você! Passou a mão no espelho como se apagasse o própr

Olhos Parados - Capítulo 4

4 À noite, a lua espraiou-se pelo campo e pelo pasto. O morro adormecia, subindo pela curva do caminho, entre as cercas de bambu. O botequim iluminado ia recebendo, um a um, os seus habitantes. Chico Defunto foi o primeiro a chegar, com seu jeito malandro e alegre. Depois veio Bem-te-vi, o gago cantor; o velho Léo; o Ademar; até o Dodô foi se chegando, junto com a Catinha. Sabão entrou e todo mundo estranhou. Afinal, “o sábio” só aparecia no boteco, à tardinha, nunca àquela hora da noite. Sabão tinha esse nome por várias razões. Era o sabe-tudo, ao mesmo tempo em que tinha um gênio sempre pronto a desancar qualquer interlocutor. Vivia dando atestado de ignorante para Deus e o mundo. Mas quando apegava-se a alguém, que lá pelos motivos dele achava que tinha de ajudar, então era só atenção e paciência. Muitas histórias eram contadas a respeito do seu passado, nas mais variadas versões. Ninguém sabia de verdade o que, ou quem havia sido o Sabão, em sua juventude. Diziam que foi importante