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Eu e O Escrevinhador 2 ( A propósito do "Livro do Desassossego" - Bernardo Soares-Fernando Pessoa)

  A minha caixa de correio, no velho portão zinho de entrada, desde que conheci O Escrevinhador, passou a ter uma vida jamais sonhada nem por mim nem por ela. Após nossos encontros em um banco de praça, um café, um bar, um caminhar em silêncio, sempre rendia, dias depois, o resultado sob a forma de um texto. Nada muito previsto, sem dias ou ocasiões especiais, e os assuntos tocavam aquela vida do seu personagem do desassossego: Bernardo Soares, o ajudante de guarda-livros. Um dos últimos textos que recebi dele, em minha caixa, eram suas considerações sobre tudo que ao outro fora negado por aqueles que não queriam dar-se ao trabalho de "desabotoar o casaco". Em outro momento passarei a vocês esses textos com as notas d'O Escrevinhador. Da última vez em que nos encontramos pouco falamos, mas nos misturamos àquele mundo do bar da esquina onde "riam os parvos felizes", como dizia o texto. Apesar de todos os pesares, bebemos e rimos, deixamo-nos ser tão parvos quanto
  Eu e o escrevinhador Não sei nem como foi que o conheci direito. E como com aquele outro, que ele tanto admira na sua mais completa falta de admiração, foi um acaso qualquer que nos atropelou aí, por um desses caminhos toscos da vida. Quase não falava. E chegamos mesmo a nos encontrar algumas vezes para compartilhar dos nossos silêncios cansados. Um dia, por inspiração do outro, transformou-se ele também, de sombra a escrevinhador, como se auto intitulava. Sua sina encontrara uma religião e uma filosofia, em uma não religião nem filosofia. Um livro e um autor fictício deram-lhe um dessentido na vida. Bernardo Soares e o seu "Livro do Desassossego". Várias vezes o escrevinhador trazia-me trechos de sua antibíblia. Ainda ontem, deixou-me essa confissão do outro e prometeu escrevinhar-me algo sobre esse trecho do seu desidolatrado e desassossegado ajudante de guarda-livros. "Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou. Uma réstia de parte do sol, um campo (..
 Diário do escritor que não fui -  2 de agosto de 2021 Já quase um ano sem visitar este diário. Tanto e tanto aconteceu. Em setembro do ano passado perdi meu pai, que já vinha adoentado. Finalmente, graças a um edital público de apoio às artes e à cultura consegui imprimir os meus livros. Dois em um. "Olhos Parados" e O "Azul do Zen". Tive um problema de saúde, depois de algum tempo tive que fazer uma biópsia pois havia a suspeita de um câncer na região sublingual. passei umas duas semanas tensas, enquanto não vinha o resultado. Depois, com a resposta, verificou-se que não era nada tão grave. Não havia tumor, mas ainda não se sabe o que causou o problema.  Existem algumas hipóteses. De qualquer forma terei que fazer uma cirurgia para extrair o gânglio. E para piorar tudo, minha mãe foi infectada pela Covid 19 e após 15 dias hospitalizada não resistiu. Meu primo João já falecera infectado pelo vírus. É mesmo uma grande tragédia que se abateu sobre nós. Neste agosto d

Joaquins

  Joaquins... Capítulo 1          Cresceu assim. Ouvindo sempre no   rádio aventureiros, militares, piratas, generais e marechais dando seus golpes de estado. Era um continente invadido, escravizado. E ele, olhando no espelho, tentava entender seu futuro. Mas o espelho   não conseguia responder direito. Estava opaco. Manchado. E como podia, foi crescendo Joaquim.          Certo dia, lá pelos 9 anos, suspenderam as aulas. Caminhões cheios de soldados atravessavam a cidade. À época, chamaram de revolução, mas ele foi crescendo e entendendo que o verdadeiro nome era golpe. Lembrou dos noticiários que ouvira tantas vezes no rádio. Agora acontecia ali, em sua terra. A América do Norte desnorteava a outra América. Mas ele ainda não entendia o que se passava. Tão menino, ainda!­­­­­­­­­­­ Só que havia muitos outros Joaquins, já bem mais velhos, que também não faziam a menor ideia de toda aquela movimentação. Inventaram a escuridão. Importaram-na. E milhões de Joaquins engoliram trevas,