Olhos Parados (Capítulo 8)

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Já haviam levado o corpo. Tudo ficara muito estranho. A sensação que o Zé Carlos tinha agora era parecida com aquela quando as casas ficavam soterradas debaixo das barreiras. Era aquele frio interior misturado com chuva, lama e tristeza. Outra lembrança que surgia naquele momento era daquele homem que gritava em algumas noites. O Seu Edinho. Um homem bom, mas que às vezes enlouquecia e saía quebrando tudo, urrando e chorando. Seus gritos eram terríveis. Era um lamento longo, desesperado, que entrava feito faca pelos ouvidos do garoto e depois iam se alojar em algum canto escuro da sua alma. Nesses momentos, Dona Eunice punha-se a trabalhar mais e mais, em sua máquina de costura, pedalando, pedalando como se quisesse superar aquele barulho. E sempre chamava o José Carlos para ajudar em alguma coisa. Queria distraí-lo, arrancá-lo daquela dor que explodia pelo morro.
O Seu Edinho desapareceu. Os gritos ficaram dormindo lá no interior do garoto. Da mesma forma que a imagem do Mizael, quando desceu algemado, contorcendo-se, com olhos de fúria e dominado por alguns homens que o empurraram para dentro de um carro e depois sumiram. Nunca mais Seu Edinho, nunca mais Mizael e agora... nunca mais Sabão. O Seu Sebastião morreu, como dissera a sua mãe.
Entregaram-lhe aqueles dois pacotes de livros.
- Isto é para você! Parece que ele ia te dar, estava escrito aqui, ó, neste papel:”Para o José Carlos de Brito Júnior, do Sebastião Venâncio.” É, garoto, ele ia mesmo com a tua cara!
- É, o Sabão era gente boa! Valeu! Obrigado! - Ó, tem mais uns livro e uns caderno aí na casa dele. Se você quiser pode levar, ninguém vai querer mesmo!
E o José Carlos abraçou os pacotes, pegou o resto e foi embora, de volta para casa. Então sem saber direito a razão, ali, andando sozinho entre os bambus da subida, com aqueles livros, ele lembrou do sonho. Bem daquele pedaço quando o Bem-te-vi cantava e todos choravam. E o garoto engoliu em seco, uma, duas vezes, mas na terceira não conseguiu mais segurar. Deu um soluço e a lágrima desceu em seu rosto. Um livro caiu, ele abaixou para pegar e desandou a chorar. Sentou-se no chão do caminho e ficou ali, olhando para o nada e chorando. Chorando muito...
Com o Sabão foram-se muitas coisas. O morro não seria mais o mesmo.

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