Torturador da Casa da Morte assassinado

http://www.publico.pt/mundo/noticia/paulo-malhaes-ascensao-e-morte-de-um-torturador-brasileiro-1634595

Paulo Malhães: ascensão e morte de um torturador brasileiro

Conhecido por Doutor Pablo, o coronel usava as “casas da morte” para torturar presos até os transformar em informadores da ditadura militar brasileira. Quem resistia era executado e mutilado. Depois de confessar, sem arrependimento, foi encontrado morto a 25 de Abril.
 
Tudo na pitoresca casa da Rua Arthur Barbosa, 668, uma moradia branca assente em lajes de granito, disfarçada pela vegetação do alto do morro que olha para a cidade de Petrópolis, apontava para a banalidade do quotidiano.
De vez em quando havia festas e outras funções sociais, organizadas em nome do Doutor Pablo – nome de código do director do Centro de Informações do Exército, Paulo Malhães, um dos mais prolíficos torturadores brasileiros, que morreu – possivelmente assassinado – no passado dia 25 de Abril, um mês depois de oferecer o seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade que investiga os crimes da ditadura militar brasileira (1964-1985).
A moradia de Petrópolis está inscrita na história brasileira como uma das dez “casas da morte” mantidas pelo aparelho repressor em vários estados do país (o rótulo foi aplicado pela fama de que ninguém saía dali vivo). Além das instalações militares oficialmente utilizadas pelo Governo militar como centros de detenção de presos políticos, a década de 70 viu nascer cárceres privados, “casas de conveniência” nas palavras de Paulo Malhães, mantidas clandestinamente pelas Forças Armadas.
“A gente dava sustos, e o susto era sempre a morte. A casa de Petrópolis era para isso, uma casa de conveniência, como a gente chamava”, explicou numa entrevista ao jornal “O Globo”, em Junho de 2012. “Eu organizei o lugar: quem eram as sentinelas, qual era a rotina, quando se dava festa para disfarçar, por exemplo. Tinha que dar vida a essa casa”, gabou-se na altura o coronel reformado, aos dois jornalistas que o convenceram a falar, no seu “sítio” do bairro de Marapicu, na zona rural de Nova Iguaçu, estado do Rio de Janeiro, onde se instalou na reforma.
Ao longo de sete anos, várias dezenas de prisioneiros políticos terão passado pela casa de Petrópolis, conhecida pelas diferentes equipas de torturadores como o “Codão”. Malhães – ou “Pablo”, um fazendeiro
que às vezes visitava a cidade – invariavelmente obtinha resultados: o seu objectivo era converter o preso e infiltrá-lo como informador do regime junto dos grupos dissidentes; a sua estratégia era a violência, física ou psicológica. Quando não funcionava, o oficial do Exército aplicava a solução final: estima-se que pelo menos 22 pessoas tenham sido executadas na Rua Arthur Barbosa, os seus corpos mutilados e escondidos. Até hoje, nenhum deles foi localizado.
Um dos “desaparecidos” da ditadura foi o antigo deputado federal Rubens Paiva, preso a 20 de Janeiro de 1971 e morto durante uma sessão de tortura no Rio de Janeiro. Paulo Malhães negou, repetidamente, ter tido qualquer interferência nesse caso até Março passado, quando admitiu ao jornal O Dia ter feito desaparecer o corpo do parlamentar. “Recebi a missão para resolver o problema”, declarou, sem precisar qual o destino final do cadáver: “Pode ser que tenha ido para o mar, pode ser que tenha ido para o rio”.
Mas uma semana depois, testemunhando à Comissão Nacional da Verdade, desmentiu-se a si próprio, esclarecendo que a missão de ocultação acabou por ser executada por outra pessoa. “Eu só disse que fui eu porque acho muito triste quando a família passa 38 anos querendo saber qual o seu paradeiro. Não sou sentimental, mas tenho as minhas crises”, confessou.
Mas o Doutor Pablo não teve qualquer crise quando admitiu que torturou, matou e escondeu os cadáveres de “uma quantidade razoável” de presos políticos que passaram pela casa da morte da serra fluminense nos chamados anos de chumbo: homens e mulheres que eram membros da Vanguarda Popular Revolucionária; Acção Libertadora Nacional; Vanguarda Armada Revolucionária Palmares; Movimento Revolucionário 8 de Outubro – grupos de esquerda armada compostos maioritariamente por estudantes – e ainda do Partido Comunista Brasileiro.
“Quantas pessoas é que o senhor matou?”, perguntou o jurista  José Carlos Dias, durante a sessão da Comissão Nacional da Verdade. “Tantas quanto foram necessárias”, respondeu Paulo Malhães. “E quantas torturou?” “É difícil de dizer, mas foram muitas”. “Está arrependido?”, quis saber Dias. “Cumpri o meu dever. Não me arrependo”, garantiu o torturador, um dos cinco militares e ex-agentes do Centro de Informações do Exército que até agora aceitaram depor. “Se precisasse, faria tudo novamente”, frisou.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Do blog Democracia & Política: Santos Dumont

Joaquins

Salário do professor no Brasil é o 3º pior do mundo