Olhos Parados (Capítulo 7)

7

Simon Bolívar, sentado no boteco, lia trechos das aventuras de D. Quixote, enquanto Bem-te-vi acompanhado do violão do Léo cantarolava uma música que ia ficando triste, tão triste que lágrimas desciam pelo rosto de todos. Depois lá estava Bolívar, subindo o morro, festejado em seu triunfo. Montava um cavalo branco, sem cela. Havia uma multidão no campinho e no pasto. De repente, um rosto conhecido: Manuelita Sanchez que acenava para o herói. Seu sorriso era amplo e ela estava nua da cintura para cima. Mas aqueles eram os seios de Catinha. Sim, era Catinha. Seus acenos tocavam o corpo do Zé Carlos, mas aquelas mãos não eram Catinha. Era o Dodô. E o Simon, de novo no bar, ia guaguejando, gaguejando até não conseguir mais contar sua história. Parecia triste. Seu cavalo agora era um magro pangaré e ele, Simon, agora era o Sabão, olhando fixamente para o garoto, enquanto sobre a mesa desabava um castelo de cartas e em seguida o Sabão caía fulminado, na mesa do bar, em cima das cartas.

O José Carlos acordou meio assustado dos estranhos sonhos da noite. O domingo amanhecera mais silencioso do que o normal. O pai, motorista de ônibus, estava em casa naquela manhã. A máquina de costura da Dona Eunice, a mãe, também estava parada. Havia alguma coisa no ar...
Não demorou muito para que o mistério fosse revelado, foi ainda durante o café que D. Eunice, com um ar entre consternado e apreensivo falou para o garoto:
- José Carlos, meu filho,...o Seu Sebastião...morreu.
Ainda demorou um pequeno intervalo de tempo até que o menino atinasse com o nome. Quase ninguém no morro chamava mais o Sabão por aquele nome.
- O quê!? O Sabão!?
- É! Acharam ele hoje de manhã, bem cedinho, na porta da casa, caído. Parece que teve um ataque, sei lá...
- Mas ontem de noite ele tava aí no botequim...
Então o pai que passava pela cozinha comentou:
- Pois é, bebeu demais! Parece que não agüentou o tranco!
O Zé Carlos lembrou do sonho...
- Que esquisito!...
A mãe, meio desconfiada:
- O quê, José!?
- Eu acho que sonhei com ele. Parece que ele queria falar alguma coisa comigo.
O pai ficou interessado:
- Você conversou com ele ontem?
- É ele falou comigo.
A mãe, pensativa:
- O Seu Sebastião gostava do José Carlos. Deu até o livro pra ele!
O pai:
- É, o tal do livro! O homem era esquisito! Gostava de ler... às vezes parecia meio maluco...sei lá!
A mãe:
- Que isso, Brito! Não fala assim do falecido!
- Não, pai! Ele não era maluco não. Ele sabia uma porção de coisas.
A mãe, que havia saído, voltando:
- Olha, José Carlos, estão te chamando lá no portão, vai ver quem é!

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