OLHOS PARADOS cap. 9

9

Os olhos parados e a respiração suspensa do senador Brito Júnior pareciam ser a radiografia de todo o país. Havia um impasse. Mas se por um lado o trauma criara um compasso de espera, por outro começava a haver uma mobilização em nome daquelas questões que o Senador já vinha levantando em todo o território nacional. Agora que a sua ação inviabilizara-se, paradoxalmente cresciam os resultados, pois a mídia trazia a todo momento o seu ideário à baila. Tentaram por alguns momentos abafar o acontecido, mas já era tarde, a nação estava mobilizada. O episódio, no plenário do senado, fora forte demais e penetrara profundamente na alma da população. As manipulações subsequentes não conseguiram abafar as repercussões.
O homem que tanto falara, quando se calou provocou com o silêncio a avalanche que suas ideias refletiram nos ecos da multidão.
As imediações do hospital onde foi internado era o ponto de encontro dos vários grupos que chegavam de todos os lados. Improvisavam-se comícios, palavras de ordem eram repetidas em uníssono. As autoridades, preocupadas em não perder o controle da situação, já começavam a tomar as primeiras providências para conter aquela mobilização. Começaram a usar a televisão e o rádio para estabelecer algumas normas e tentar diminuir a confusão que se criava.
Cogitou-se remover o senador para algum lugar sem que fosse divulgado o destino, mas logo surgiu um movimento contrário a essa ideia, por razões óbvias.
A verdade é que aquilo tudo tomara um vulto inesperado. A energia que vinha sendo acumulada há tanto tempo começara a se manifestar. Temia-se a explosão da imensa panela de pressão que ficara anos e anos queimando no fogo das injustiças. E como dizia a canção popular qualquer desatenção poderia ser a gota d’água.
Ainda não aparecera o discurso e já se levantava a opinião de que não poderia de forma nenhuma, mesmo que aparecesse, ser revelado o conteúdo do texto, sem a autorização do senador.
O povo queria entender o que existia por trás dos olhos parados do Brito Júnior. Os olhos que haviam sido tão vivos e perspicazes. O que lhes teria feito parar? Sintomas menores já se haviam manifestado em diversas ocasiões, com outros políticos. Casos de pequenos desmaios, uma afasia passageira, um ligeiro estrabismo, uma surdez momentânea, mas nada atingira as proporções daquela total imobilidade. Nada se comparava ao “mal de Brito”.
O Senador, aos 49 anos, já era um homem só. Seus pais, sofreram um acidente quando ele tinha 33 anos. Aos 36, divorciara-se. Do casamento não tivera nenhum filho. Depois disso, apenas romances eventuais. A vida de dedicação à política foi cada vez mais se consolidando. Começara na Universidade Pública, onde fizera o curso de História. Depois, no Sindicato dos Professores. E estimulado por alunos e colegas de profissão candidatara-se a vereador. Então todo o seu potencial de negociador, homem de idéias e defensor da justiça e da cidadania, pôde vir à tona. Recebeu uma votação surpreendente, a maior da história da cidade. O seu mandato contribuiu tanto para o município que sua escalada foi rápida. Foi eleito deputado e logo depois senador. A presidência era o caminho natural e já vinha sendo preparado pelo partido e por algumas forças políticas do país.
De repente aquele corte, aquela queda, aquele vazio. E do meio do vazio, do silêncio, o furacão foi se formando. Se no interior tudo era silêncio, na periferia toda a fúria, todos os elementos explodiam.
Brito Júnior, calado, gritava na voz do povo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Do blog Democracia & Política: Santos Dumont

Salário do professor no Brasil é o 3º pior do mundo

Joaquins