OLHOS PARADOS cap.10

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As lágrimas que rolaram aquele dia levaram um pouco do José Carlos menino e foram lavando a estrada para os passos de um outro José Carlos.
D. Eunice e o Brito estranharam algum tempo aquelas mudanças nos hábitos do filho, mas depois acostumaram. Ele passava bastante tempo lendo. Às vezes, parava e ficava pensando... Outra vezes, escrevia com tanta vontade que parecia alguém com muita sede quando encontra água pura.
As brincadeiras foram mudando, escasseando. Na escola ele arranjou outros amigos e amigas. O morro também começava a se modificar. As serestas foram diminuindo. As músicas foram mudando, sendo esquecidas. Bem-te-vi quase não aparecia mais, até que sumiu de vez e não se ouviu mais falar dele.
Bem, mas ainda houve um domingo, à noite...
Na cidade existia aquele programa de calouros na antiga rádio Difusora PRD3. A Hora do Galo. E naquele domingo o Bené foi lá participar.
José Carlos e alguns outros foram para o campo, com um rádio de pilha para ouvir qual seria a sorte do Bené. Todos achavam muita graça daquilo tudo. No resto do morro, em todas as casas, os outros rádios estavam ligados. Será que o Bené ia conseguir ultrapassar o galo e cantar a música toda? Quem sabe até conquistasse o 1º prêmio, no final! Bom, isso também seria demais... Afinal dos tantos cantores dali, não era o Bené um dos melhores. Mas sabe-se lá!?
Ia começar o programa e a excitação era grande. Ainda por cima era noite de lua cheia. Começou. O Galo estava animado. Já cantara duas vezes. E então o Bené foi anunciado. Sentados à beira do campo, no pouco espaço que ainda tinha grama, a garotada se divertiu ao ouvir o nome do Bené e mais ainda, o nome do lugar onde ele morava: Morro da Cachaça! Aí todos se sentiram lá, junto com ele. A música começou... Bené abriu a voz e... COCORICÓ!!! O galo cantou! O galo cantou logo na primeira nota, parecia gozação! E todos, depois do susto e de um instante de decepção, entreolharam-se e caíram na gargalhada! Mas riram, riram muito, de rolar! Depois levantaram e ficaram imitando a situação: um fazia o papel do Bené e os outros cantavam e batiam asas feito o galo. O Zé Carlos ria e ria sem parar...
Todos foram embora. Ele olhou a lua e o pasto, tornou a sentar na grama depois de toda a algazarra e ficou ali, sozinho. Parecia ainda ouvir as risadas ecoando pela noite do morro. Talvez em alguma daquelas casas tivesse alguém triste, desligando o rádio, desolado pela sorte, ou melhor, pela falta de sorte do Bené. Também, quem mandou achar que podia ser cantor!
Enquanto ele pensava essas coisas, uma grande nuvem foi cobrindo a Lua. Escureceu. Silenciou. José Carlos viu um vulto caminhando em sua direção. Por um momento sentiu um arrepio por todo o corpo. Lembrou das histórias de assombração que contavam lá no botequim. Mas logo percebeu quem era. A Catinha, meio escondida, vinha chegando. Aquilo era uma doce surpresa. E a Lua surgiu por trás da nuvem...
- Oi, José! Tá sozinho aí?
- É, o pessoal foi embora e eu fiquei.
- Que bom!
- O quê?
- Que bom que você ficou.
- A gente tava ouvindo o rádio...
- Viu só, como é que o galo cantou?!
( Os dois riram.)
- Olha, Cátia, como que o pasto fica bonito com o brilho da Lua!
- Huuumm! Gostei! Até me arrepiou!
- É... tá bonito, né!?
- Não é isso! Que tá bonito, tá! Mas eu gostei foi do jeito que você falou o meu nome.
- Ué, por quê?
- Sei lá, foi de um jeito gostoso! ...Vamos subir lá, deve ficar mais bonito ainda lá de cima.
- Vamos!
O coração do José Carlos assoviava e todos os seus sentidos faziam uma festa. Era demais. Bom demais para ter algum medo. Então ele pegou a mão dela e os dois começaram a subir o pasto por um caminho escondido. Ela tomou a frente, parecia conhecer melhor o caminho e ele foi seguindo. Havia uma trilha estreita, ladeada pelo mato e por alguns arbustos. Eles foram subindo. As mãos enlaçadas podiam então ter toda a liberdade que antes ficava restrita aos furtivos toques. A excitação era intensa. O som dos pés, o roçar do corpo no capim, tudo era música aos ouvidos dele. Entravam pela noite, fugindo do olhar das proibições. Era o Simon Bolívar cavalgando pela América, adentrando para a conquista final. A cada passo pareciam mais felizes. Quando ela falava era um gemido de excitação. Sua mão estava quente e gostosa. Às vezes ficavam muito próximos e ele sentia o cheiro dos cabelos e do corpo dela. Aquele sonho sim, era o mais lindo de todos. A realidade suplantava naquele momento qualquer possível sonho. Ele olhou para baixo, já estavam completamente fora do limite de visão das casas lá do morro, mas muito próximos da lua e do prazer. Então chegaram ao topo. Era possível ver o outro lado. Lá longe, embaixo, a luz de um farol ou outro, na noite da estrada. Ela desceu em um pequeno platô e os dois sentaram. Estavam livres, livres! Ela olhou fixamente para ele, fechou os olhos e encostou seus lábios nos dele, roçando, suavemente. Então levantou e ficou em frente a ele.
- Feche os olhos um pouquinho.
Ele obedeceu. Só ouvia o som dos grilos e as fortes batidas do seu coração. Respirou profundamente e sentiu o perfume da noite. E a noite tinha cheiro de mulher.
- Agora pode abrir os olhos.
A lua saíra toda em sua claridade e como que de propósito banhava aquela beleza que se inaugurava ali, bem a sua frente, toda para ele. Catinha, nua, era uma visão mágica a enlouquecer o garoto de desejo.
- Que linda! – Foi só isso o que ele conseguiu dizer.
- Para você!
Ela sussurrou e ele foi subindo, beijando sôfrego todo o corpo dela até chegar aos seios, os cobiçados seios. Então os dois se envolveram no vendaval dos sentidos e foram descendo para o chão. Ela, mais experiente, foi tirando a roupa dele, conduzindo-o e o excitando cada vez mais. Deitaram sobre as roupas e os dois foram um. Um só gemido, um só vôo. E todos os grilos explodiram em sons pela noite...
A lua se derramava pelo pasto que brilhava mais do que nunca, sem que lá embaixo os habitantes do morro soubessem o porquê. Na certa alguns deviam olhar e tomados de maravilha enlaçavam os seus pares e se desmanchavam de amor e prazer. E ninguém podia imaginar que toda aquela magia nascia do rito de amor daqueles dois, guardados pelo aconchego da natureza e protegidos pelo fogo de uma paixão que ardia em suas primeiras labaredas. Brisas de carícia escorriam pelo capim que se arrepiava de volúpia.
Simon Bolívar cavalgava vitorioso. Fertilizava o solo da sua América. Acariciava todas as delícias secretas da terra. Simoncito, Pedrito, José Carlos, Zé Cabritinho, todos em um só. Um novo homem que despontava para a liberdade, para a grande aventura da vida.
Depois do amor, a noite foi morar nos olhos dela que olhava para ele...
- Agora, a gente tem que descer ... mas você precisa me prometer que não vai contar isto pra ninguém. Isto tem que ser o nosso segredo.
- Eu prometo!
Eles se vestiram e tomaram o caminho de volta. Lá embaixo, antes de sair do mato e descer para o campo, ela encostou seu corpo no dele, beijou sua boca e ofereceu os seios para que ele se despedisse.

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