Olhos Parados Capítulo 15

                                                                         15

    Cada vez mais a sensação de abandono aumentava. Ela continuava recebendo as mesmas instruções. O número de pessoas naquele local ia diminuindo a cada dia, falava-se em desativação da base. 
    Ela, em seu silêncio e em sua aparente indiferença, recolhia todas as informações e murmúrios que transitavam pelos corredores. Tinha uma missão: tirá-lo dali. E isso, enquanto houvesse tempo, pois pressentia que a qualquer momento dariam um jeito de desaparecer com ele. Era meticulosa em cada um dos seus movimentos. Não podia perder a confiança deles e no entanto tinha que conferir todos os detalhes dos medicamentos que lhe mandavam e do aposento onde ele estava internado. Os relatórios que enviava para eles também seguiam a mesma cautela. Ela não podia perder o controle da situação. O fato é que talvez eles estivessem contando com que ele morresse logo, mas não foi o que aconteceu. A doença era nova e portanto seu desenvolvimento fugia ao controle, impossibilitando qualquer previsão. 
    Quando ela entrou no quarto, naquela manhã, deparou-se com um quadro inesperado. Algo acontecera de muito estranho. O rosto dele... a expressão... Havia uma mudança tão intensa que ele começava a parecer outra pessoa. Era como se o seu rosto houvesse sido submetido a algum tipo de operação plástica. Ela conferiu. Por mais apurada que fosse a observação não conseguia constatar nada que pudesse indicar que ele sofrera qualquer intervenção cirúrgica. Era alguma coisa nele próprio, no seu íntimo. O rosto reagia ao que se passava dentro dele. O homem dos olhos parados começara a sofrer uma metamorfose. Sua expressão transformava-se. Era como se dele despontasse um outro homem. Caso aquilo continuasse, dentro de alguns dias ele ficaria irreconhecível. Isso a fez pensar em novas formas de tirá-lo dali. Era preciso ir traçando o plano, limpando o caminho e acompanhando aquele novo quadro que se desenhava. 
    Enquanto pensava essas coisas não tirava os olhos dele. Afinal em que mundo estava e o que sonhava o José Carlos? E agora essa! Começava a mudar tão radicalmente a ponto de virar um outro. Mas esse novo rosto que ia aparecendo não era uma coisa tão estranha para ela. É como se ela já conhecesse aquilo. Era algo familiar. Os olhos parados já não tinham a mesma expressão de antes. Pareciam ver outra coisa. 
    Já lhe haviam contado casos parecidos, mas eram apenas histórias de ficção. Com o senador tudo acontecia diferente. Não era um inseto ou uma degeneração o que aparecia, mas uma expressão suave. 
     O que se passava no interior dele? Quais os pensamentos? O que via e sentia? Por onde andava a alma daquele homem? Que estava acontecendo algo, para ela não restava nenhuma dúvida. Mas o quê? Muitos anos ficara sem vê-lo, mas em todo aquele tempo não deixara de acompanhar os seus movimentos, suas falas e tudo que era dito sobre ele através da imprensa. Agora o que ela estava presenciando ninguém mais no país podia imaginar. Seria aquilo a proximidade da morte, ou algum tipo de recuperação? Dentro dela, ao olhar para aquele novo rosto que se formava, algo acalmou. Sem conseguir explicar-se, para ela começava a nascer a certeza da recuperação dele. Era como se nuvens fossem dissipando-se e fazendo aparecer um novo céu.

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