Eu e O Escrevinhador 2 ( A propósito do "Livro do Desassossego" - Bernardo Soares-Fernando Pessoa)

 

A minha caixa de correio, no velho portãozinho de entrada, desde que conheci O Escrevinhador, passou a ter uma vida jamais sonhada nem por mim nem por ela. Após nossos encontros em um banco de praça, um café, um bar, um caminhar em silêncio, sempre rendia, dias depois, o resultado sob a forma de um texto. Nada muito previsto, sem dias ou ocasiões especiais, e os assuntos tocavam aquela vida do seu personagem do desassossego: Bernardo Soares, o ajudante de guarda-livros. Um dos últimos textos que recebi dele, em minha caixa, eram suas considerações sobre tudo que ao outro fora negado por aqueles que não queriam dar-se ao trabalho de "desabotoar o casaco". Em outro momento passarei a vocês esses textos com as notas d'O Escrevinhador.
Da última vez em que nos encontramos pouco falamos, mas nos misturamos àquele mundo do bar da esquina onde "riam os parvos felizes", como dizia o texto. Apesar de todos os pesares, bebemos e rimos, deixamo-nos ser tão parvos quanto todo o resto. E, ao final, saímos pela noite, meio embaçados e um tanto trôpegos. Depois ele seguiu e eu voltei para casa. Então, li o trecho que ele selecionara para mim:
"A vulgaridade é um lar. O quotidiano é materno. Depois de uma incursão larga na grande poesia, aos montes da aspiração sublime, aos penhascos do transcendente e do oculto, sabe melhor que bem, sabe a tudo quanto é quente na vida, regressar à estalagem onde riem os parvos felizes, beber com eles, parvo também, como Deus nos fez, contente do universo que nos foi dado e deixando o mais aos que trepam montanhas para não fazer nada lá no alto.
(...)Prefiro a derrota com o conhecimento da beleza das flores, que a vitória no meio dos desertos, cheia da cegueira da alma a sós com a sua nulidade separada." Bernardo Soares em "O Livro do Desassossego.
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