Olhos Parados - Capítulo 16

                                                                    16

     A janela do quartinho abrindo-se, emoldurou a pintura daquele sábado de céu azul. Os pássaros, em bando, dançavam, presenteando o olhar do Zé Carlos. A natureza resolvera caprichar. Buscou suas melhores tintas e seus mais requintados movimentos para festejar os dezoito anos dele.
    Chegou o dia! D. Eunice estranhou que desta vez o garoto não quisesse nenhuma festinha. E logo aos 18 anos!? Afinal, ele sempre reunia o pessoal, ela fazia o bolo, tocavam violão e toda aquela farra... Mas desta vez nada disso. Ele apenas disse que iria sair à tarde. Era a "tal da tese da professora." O pai e a mãe costumavam comentar sobre o interesse do garoto pela matéria e pela Clio. D. Eunice chegou a conversar várias vezes com ela. Achava-a muito simpática. Mas o negócio parecia sério mesmo. Ele estava muito mudado. Sair no dia do aniversário, não reunir os amigos, eram coisas nunca vistas. Dava até para preocupar, pensava a mãe do Zé Carlos. Já o Brito, disse que era isso mesmo, afinal “o moleque tava virando homem.” Agora “o negócio era diferente, os interesses eram outros.”
    A manhã correu pelo céu feito uma flecha de sol. Uma flecha que tinha o alvo certo: a tarde e o encontro. Zé Carlos deu uma passada no boteco e lá estavam o Seu Bráulio, o pai do dono do bar, e o Serginho, seu neto. Os dois jogavam cartas. Seu Bráulio deixou as cartas sobre a mesinha e foi atender o Zé Carlos.
     – Seu Bráulio, vê pra mim dois pães e uma queijadinha, por favor! – Claro, meu filho!... Estudando muito?
     – É... mais ou menos.
     – Mais ou menos nada, vô! O Zé Carlos é CDF pra caramba!
     – Ô Serginho, o quê que é isso!? CDF...?
     – Nada não vô. É que o cara estuda muito mesmo!
     – Tá certo! É isso mesmo! Assim é que tem que ser, né José Carlos?
     – É isso aí, seu Bráulio!
     – Ô José...e aquela moça...aquela professora bonita...não vem mais conversar com a gente não?
     – Ah! Hoje eu vou encontrar com ela.
     – E ela vai voltar aqui para saber mais coisas da vida da gente?
     – Eu acho que, por enquanto não. Parece que ela já terminou com as entrevistas.
     – Zé Carlos, o vô ficou doidinho pela tua professora, só fala nela.
     – Que doidinho o quê, menino! A moça é muito simpática e muito educada! É gente boa mesmo, e tá dando importância às histórias da vida da gente simples, como nós aqui. É uma boa moça... Como é que ela chama... Dona...?
     – Clio, mas ela não gosta desse negócio de dona, não, Seu Bráulio!
     – É, ela falou, mas eu não consigo chamar de outro jeito. É o costume...
     – Sei, sei... – Olha aqui: a queijadinha e o pão. Tudo fresquinho!
     – E aí Zeca? Vai ter festa lá hoje? – Não, eu vou sair. Tenho umas coisas pra fazer. – Festa, por quê?
     –   Hoje é o aniversário dele, vô!
     – É, mesmo!? Felicidades, meu filho! Quantos anos? – Dezoito, obrigado, seu Bráulio e olha aqui o dinheiro!
     – Parabéns, hein Zeca!
    E quando ele saiu, do outro lado da rua, dois olhos grandes lhe sorriam. De repente, em plena luz do sol, o pensamento dele foi pousar lá em uma noite de lua cheia. Era a Catinha vindo em sua direção. O coração bateu forte outra vez e antigos sons vieram-lhe à mente. Quanto mais próximo ela chegava, maiores eram as sensações, até que tudo o envolveu completamente. Ela o abraçou com uma mistura de calor e ternura que o fez desejá-la ardentemente. Em seguida ela beijou o seu rosto.
     – Parabéns pelo dia de hoje, José! Que você seja muito feliz! Eu gosto muito de você!
     – Eu também gosto de você!
     – Eu sei. Tenho uma coisa aqui para te dar. É uma coisa simples, mas eu vi e achei que tinha tudo a ver. É uma lembrança nossa. Toma, não abre agora não! Só quando você estiver sozinho. Tchau!
     Ela olhou para os lados, conferindo se não havia ninguém e roçou os lábios nos dele, beijando-o de leve. Depois foi embora. Ele ficou ali, parado, ainda tentando arrumar os pensamentos, com aquele pequeno embrulho nas mãos. Em seguida guardou o embrulho no bolso e seguiu o caminho de casa.
     Em casa, no seu quarto, tirou o embrulho do bolso, abriu a caixa, desembrulhou a seda que envolvia o presente e viu o cordão com a medalha que trazia um crescente lunar em prata envolvendo um sol dourado. Era como se os dois estivessem ali, unidos. Ele sorriu, colocou o cordão no pescoço, fechou os olhos e por um instante a cena daquele dia, lá no pasto, passou pela sua mente. Inspirou profundamente, guardou a caixinha em uma gaveta e foi tomar banho. Não demoraria muito para chegar a hora do encontro. Qual seria a surpresa que Clio preparava para ele?

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