Olhos Parados - Capitulo 18

A tarde chegou inaugurando o parque das surpresas. O sol tingia o céu de um amarelo-avermelhado tão especial que atraía a atenção de todos. Era uma luz diferente que se derramava pelo cenário. Fim de tarde de sábado.
    Ele chegou no bar onde havia marcado o encontro. As mesinhas do lado de fora estavam pintadas com todo aquele colorido e tudo parecia programado, preparado para a cena. Os pensamentos passavam pela cabeça do José Carlos enquanto ele olhava e conferia se ela ainda não havia chegado.   Do outro lado da rua pôde vê-la chegando. Ela, ao vê-lo, abriu um sorriso lindo. E a tarde brilhou mais ainda dentro dele. Clio atravessou a rua e os seus olhos irradiavam encanto. Abraçou-o com uma ternura inédita. Havia algo de diferente nela. Então ele lembrou que já chegara a semana em que ela iria defender a tese. Aquela alegria transbordante era prenúncio de notícias agradáveis.
    Os dois escolheram uma das mesas, sentaram-se e pediram dois chopes ao garçom. Logo que começaram a conversar, ele perguntou como havia sido com a tese e ela disse que essa era a primeira surpresa, mas que não poderia contar tudo, só podia adiantar que fora aprovada e que todos gostaram muito, depois do chope ela contaria mais. Só que para isso, pela primeira vez, convidou-o para que fosse até o apartamento dela. E foi o que aconteceu...
    José Carlos, depois de sair do elevador com ela, caminhando pelo corredor, em direção à porta, sentia-se como que atravessando uma última fronteira para entrar em outro país, em outro mundo. Passou pela sua mente a lembrança do Simon Bolívar e ele não entendeu o porquê. Em outro momento veio à sua mente o encontro com a Catinha e o presente que ganhara. Ele não contara para Clio que exatamente naquele dia fazia 18 anos. Era a primeira vez, em tantos anos, que não comemorava o seu aniversário com os amigos, em casa. Mas, em compensação, nunca se sentira tão festivo quanto naquele dia.
    Ela abriu a porta e o convidou para entrar. O apartamento estava na penumbra, já anoitecera. Ela pediu que ele esperasse um pouco. Entrou na sala, acendeu o abajur e o chamou.
    - Agora pode entrar...
Ele entrou e achou tudo lindo. Um pequeno apartamento, mas parecia que cada coisa nascera ali e fora inventada pelas mãos da magia e da beleza. Era o estilo dele. Parecia já ter sonhado com aquele lugar... De repente percebeu uma mesa preparada como se fosse acontecer uma festa. Uma torta, a tábua com queijos, torradas, pastas e uma garrafa de vinho tinto...
- Parabéns, José! Felicidades nos seus 18 anos! Agora você já é um homem!
- Puxa! Como é que você descobriu?
- Ora! Toda pesquisadora tem os seus informantes, você ainda não aprendeu? - Os dois sorriram. - Vem cá! Vamos começar a nossa festinha que eu tenho uma porção de coisas para te contar.
A partir daí, ele começou a habitar uma realidade tecida de encantamento com os sorrisos dela, suas palavras cheias de uma doce felicidade que se misturava ao som dos talheres e dos copos que brindavam. José Carlos pensou que era profundamente grato à existência por lhe proporcionar aquele encontro com uma paz tão agradável, costurada pela beleza. Ele bebia as palavras dela que combinavam tão bem com o vinho tinto.
 Ela contava como fora a defesa da tese, o interesse que as pessoas manifestaram pelo Morro da Cachaça e seus habitantes, e, em especial, por ele e os seus textos, que acabaram contribuindo em muito para o sucesso do trabalho. Então Clio continuou com a sua série de surpresas. Pediu que ele esperasse um pouco, foi até um outro cômodo e voltou trazendo um jornal. Abriu em uma das páginas centrais e passou para o José Carlos. Lá estava, no alto da página o nome dela e o dele creditados em um texto. Ela conseguira a publicação de uma das partes da tese. Era um dos principais jornais do país. O artigo saíra em um caderno especializado que tinha como título: “História & Sociedade”.
- Desculpe não ter falado nada e mandado o teu nome...
- Desculpar o quê?! Puxa! Que legal!
- Agora você já tem um texto impresso e lido por muita gente.
Ele exultava. Não esperava de forma alguma por aquilo ou algo parecido. Ao ver o seu nome, ali, naquele jornal, sentia mais uma porta se abrindo e outra paisagem se descortinando diante dele.
Então vieram as outras surpresas. Ela contou que a sua tese seria publicada por uma editora ligada à Universidade e que todos os créditos seriam dados, e que ele receberia a sua cota pelos direitos autorais, além de que a história do Morro da Cachaça, de suas personagens,das reflexões do “Sabão”, tudo seria conhecido, passando a ser História de verdade, vendida nas livrarias. Era muita coisa, muita notícia boa para um único dia. Mas as surpresas ainda não haviam acabado...
A música que tocava, de repente, cresceu, quando o silêncio se fez entre os dois. Clio olhou para ele e pegou a sua mão.
- José, sabe, eu gosto muito de você. Parece que você surgiu como um anjo que foi abrindo meus olhos e me indicando caminhos. As coisas foram acontecendo de uma forma tão boa. E olhe que eu andava meio desanimada.
- Que isso!? Eu é que posso te dizer que a melhor coisa que aconteceu na minha vida foi te conhecer.
Ela fez um carinho na mão dele.
- O que antes para mim era só teoria, no momento em que eu lhe conheci virou prática, mundo real. Você, o seu lugar, os seus amigos, as suas histórias... Tudo tem sido tão bom. Obrigada!
- Puxa! Você é que ajudou tanto!
- Você é uma pessoa muito bonita, sabia?
- Bonito, eu?
- Bonito por dentro, uma alma boa! Mas até que o de fora eu também aprecio bastante.
Os dois sorriram.
- Eu preciso dizer mais uma coisa. Eu ganhei uma bolsa para fazer um doutorado.
- Que bom!
 - Só que não é no Brasil, é na França, em Paris. Existem uns brasileiros, lá, com quem fiz contato e já consegui viabilizar para morar com eles.
A alegria do José ficou meio esfumaçada. Por essa ele não esperava. A hipótese de ficar sem vê-la não havia sido sequer cogitada por ele. Mas afinal, em algum momento aconteceria, era inevitável. Ela percebendo no semblante dele uma modificação perguntou:
 - O que foi, não gostou?
- Foi a surpresa...que bom!
 - Não precisa se esforçar pra fingir. Você tem uma coisa que eu aprendi... É muito transparente, quando sente algo fica logo transparente.
- É que a impressão que eu tive agora foi de que não vou te ver mais e de que será o fim das nossas conversas.
- Nós poderemos escrever um para o outro.
- É, mas não é a mesma coisa.
- Eu sei... José, olhe nos meus olhos e me diga uma coisa.
- O quê?
 - Você gosta de mim?
- Eu gosto muito de você... eu...eu...
- Psiu! Ela não deixou que ele terminasse a frase e os dois se beijaram. A princípio suavemente e depois com muita paixão.
- Um dia isto ia acabar acontecendo mesmo. Olha José, eu quero te dizer que eu queria muito fazer essa viagem, esse curso. Mas confesso que quando recebi a notícia senti uma confusão muito grande. O fato de partir e te deixar aqui, também me entristeceu. Então eu percebi a dimensão de quanto você é importante para mim. Eu não quero por nada acabar com a nossa amizade.
A palavra amizade doeu um pouco dentro dele.
- Não fique triste, eu te quero alegre. Você vai ser um sucesso. E é preciso estar preparado para isso. Este país ainda vai ouvir falar muito do José Carlos de Brito Júnior. E, quem sabe, eu ficarei conhecida como a professora dele, hein? Quem sabe?
- Até parece...
- Eu te quero feliz! Eu te quero amigo...eu te quero...
Os dois se abraçaram e tornaram a se beijar. Então ela pegou a mão dele e os dois foram para o quarto. Clio, a musa da História, despiu-se diante dele deixando toda aquela beleza à mostra, toda aquela beleza com a qual ele sonhara e que agora, ali, era um convite ao prazer.
José e Clio agora eram parceiros em uma outra obra. E a música dos sussurros e gemidos enlaçou-os em toques, beijos e gozos...
No outro dia, em sua casa, quando o Zé Carlos acordou, ficou pensando se tudo aquilo acontecera mesmo. Mas ainda havia o cheiro dela no seu corpo, e aquele jornal na mesinha de cabeceira era a prova de que não fora nenhum sonho.
Queria mostrar para a mãe o artigo com o seu nome.
Mais uma vez o mundo não seria o mesmo, a partir daquele dia.

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