"Olhos Parados" (capítulo 2)

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Brito Júnior fora se tornando um símbolo da esperança de libertação de seu povo. Fez caminhadas e palestras por quase todo o país para sensibilizar a todos da necessidade premente de mudanças.
Era preciso alguém que tivesse credibilidade e trânsito em todos os partidos. E ele foi cada vez mais se consolidando como o político ideal para aquele momento. Já era quase uma unanimidade nacional. Mas, ao mesmo tempo, quanto mais se avizinhava do poder, mais ia tendo que conceder e aquiescer em alguns dos seus grandes ideais.
Após uma reunião com um grupo de empresários internacionais, Brito tomou consciência de algumas realidades que o colocaram perplexo e lhe provocaram uma crise que atingiu o clímax no momento do tão esperado discurso no senado.
Depois de anos e anos de obscuridade, pela primeira vez, um discurso iria veicular o canto da esperança de um povo, que o colocaria no caminho de volta para o desenvolvimento e a civilização, como um libelo em nome dos direitos civis e da justiça social.
As palavras e as expressões daqueles homens que representavam grandes corporações estrangeiras passavam pela mente do senador, misturadas com suas lembranças de infância, no morro onde vivera, e nos seus anos de juventude como estudante. E, posteriormente, como professor na escola pública.
A frase de Goethe, já mencionada por um velho político – “ Agir de acordo com as próprias ideias é o que há de mais difícil no mundo” – não lhe saía da cabeça. Era assim que ele se sentia naquele momento e, por isso, essa foi a primeira frase do seu discurso. Primeira e única.
Apesar de tudo, ele reconhecia que não haveria outra forma de viver. Não para ele. A sua política foi sendo construída na coerência das ideias e das ações. E sua história nascera e crescera no meio do povo, junto com o povo. Agora começava a descobrir que pelo seu papel atual, sua ação começava a ficar engessada, imobilizada. Tantas eram as questões que permeavam a complexidade de um mundo e de um tempo cuja trama estava prévia e cruelmente urdida.
E agora José? A ação terá que ser outra e ele já desconfia de si mesmo. José, para onde?
Seu coração disparou, depois diminuiu, diminuiu, as batidas ficaram quase imperceptíveis. Mas ele ainda vivia. Ou sobrevivia.
José Carlos de Brito Júnior, de olhos assustadoramente abertos e parados. Em que mundo estaria ele agora? O que sonharia? O que estaria sentindo? Afinal que doença é essa que os médicos não conseguem diagnosticar? Por falta de uma prescrição nos manuais trataram de criar um nome para a nova ameaça: “o mal de Brito”.
Se dessa ele não escapar, passará para a posteridade não como o político que libertou o seu povo, mas sim como uma doença: o mal de Brito, uma espécie de catatonia, a doença dos olhos parados.

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