"Olhos Parados" (capítulo 3)

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Depois da explosão do trem-bala, os sons ocos ecoaram e deixaram aquela névoa densa que aos poucos se foi esgarçando, e dando lugar aos raios de sol filtrando-se entre as árvores da manhã do morro.
Havia uma calma amanhecendo em tudo. José Carlos ouviu o som da bola pipocando lá no campo. Abriu os olhos e sorriu para o teto. Era sábado, não tinha aula. Reconheceu um outro som, uma moeda sendo jogada sobre o balcão do bar que ficava ao lado de sua casa. Alguém comprando pão ou bala. Ainda era muito cedo pra cachacinha, mas tudo é possível. Um assovio, outro. O pessoal já devia estar “armando” para a “peladinha”, iam passando de casa em casa. O assovio era o chamado, a senha. José Carlos bocejou, espreguiçou e pulou da cama.
Depois do banheiro, da água com o sabão, do café com pão e pressa, lá se foi o garoto em direção ao “país das maravilhas”, do fim de semana.
Muitos chutes, tombos e gritos depois, a manhã subiu pelo pasto e pela tarde. E subiu no dorso sem sela de um cavalo solto que apareceu por lá e foi amarrado com cipó. Tornou-se a atração de todos, e era sempre assim, quando isso acontecia. Mas era preciso tomar conta para ver se o dono do cavalo não aparecia de repente com o chicote na mão, pronto pra esquentar as canelas da molecada, transformada em cavaleiros do improviso.
A farra foi boa até o momento em que o cipó arrebentou e um deles pulou para o chão enquanto o cavalo embrenhava-se pelo mato.
Depois foi começando a escurecer e os morcegos rondavam o campo, devidamente atiçados pelos bambus que os garotos brandiam no ar. Alguns foram embora e outros ficaram comentando sobre os peitões da Catinha e como é que tinham crescido. Só de falar o “troço” já endurecia e quem gostava de ver esse fenômeno era o Dodô. Porque, no segredo de todos, por falta de Catinha, o negócio mesmo era o Dodô.

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