Olhos Parados - Capítulo 6

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A cena do senador desabando no plenário apareceu em todos os telejornais da noite. Só se falava nisso. No outro dia, de manhã, era a manchete dos principais jornais.
Aquele momento do país fez com que o desmaio e a conseqüente ausência das faculdades físicas e mentais do Brito Júnior assumissem a dimensão de uma crise nacional. Uma crise que dependendo do desfecho poderia vir a se tornar uma tragédia. A figura do senador foi se transformando e ganhando contornos de um mito. Rapidamente estabeleceu-se uma rede em todo o país e as mais variadas histórias começaram a se espalhar. Versões fantasiosas sobre as possíveis causas da doença circulavam por todos os cantos. A cada momento, um novo boato. Pressões, tentativas de assassinato por envenenamento, conspiração e tudo que a imaginação ia costurando e entregando ao mercado das especulações. O “mal de Brito” já era o assunto preferido de todas as rodas e reuniões. Já suplantara as discussões de futebol e o comentário das novelas. O Brito Júnior era o personagem do momento. Redes de TV preparavam especiais sobre ele. Os boletins médicos começavam a ser transmitidos diariamente.
A força do mito foi criando os seus primeiros fatos. Passou a haver uma peregrinação ao hospital onde o senador fora internado. Entrevistas eram feitas com políticos e populares. Começaram a vasculhar os dias que antecederam àquela sessão do Senado.
Como o “mal de Brito” não apresentasse nenhuma mudança em seu quadro e já se arrastasse pelos dias, a mídia resolveu buscar a história, a biografia do homem dos olhos parados. Fatos reais misturavam-se às histórias que a ficção política e a imaginação popular iam forjando.
O trânsito, próximo ao hospital, começava a ficar difícil, tamanha era a afluência de curiosos. Passaram a fazer vigília em frente ao prédio. Vendedores ambulantes instalavam-se nas imediações vendendo fotos, posters, chaveiros e os mais diversos badulaques, qualquer coisa que remetesse ao Senador e à sua carreira. Frases e atitudes atribuídas a ele eram moeda corrente.
As últimas notícias informavam que ele estava incomunicável, pois o quadro devia ser minuciosamente estudado. Havia a precaução, uma vez que não poderia ser descartada a hipótese de ser uma doença contagiosa. Não parecia ser esse o caso, mas mesmo assim o doente foi afastado e resguardado. Isso contribuiu mais ainda para instigar na população o sentido do mistério e da desconfiança. Alguns afirmavam que ele já havia morrido e que as autoridades aguardavam o momento propício para dar a notícia; outros diziam que ele estava sendo dopado e que havia uma trama armada no país para tirar definitivamente o Brito Júnior da cena política. Para aumentar a estranheza vinha somar o episódio do desaparecimento do discurso escrito por ele e que seria lido no plenário. Ninguém sabia o destino dos papéis. Começou uma verdadeira investigação policial para que fossem encontradas aquelas palavras. Quem sabe o conteúdo pudesse indicar as possíveis causas para a crise que se estabelecera. Entre a queda e a chegada ao hospital os papéis sumiram. Várias vezes, as imagens tomadas do episódio, no plenário do senado, foram passadas, mas não se chegava a nenhuma conclusão. Mistério. O funcionário, que amparara a queda do Senador foi inquirido, mas também nada pôde acrescentar às investigações que ajudasse a solucionar o caso.
A reunião fechada, anterior ao dia do discurso, a doença súbita, o desaparecimento dos papéis... Muitos eram os lances obscuros a dar o tom daquela nova sinfonia nacional.
Apesar de toda a exploração sensacionalista da mídia, surgiu um movimento que foi ganhando dimensão e que exigia transparência. Com isso muitas coisas começaram a vir à tona. A tentativa de resgatar o pensamento do senador fez com que suas palavras fossem revisitadas; os seus discursos antigos, as declarações, os artigos para jornais... Começaram a fazer uma verdadeira arqueologia das idéias e ações que, ao longo de sua vida, ele trouxera.
A cada dia surgiam novos personagens apresentando peças que se iam encaixando na montagem daquele painel, daquela lente por onde o país buscava interpretar-se e entender-se. Havia ali a pulsação de uma vontade coletiva, uma sede de justiça e o desejo da mudança. Eram os primeiros passos da autoestima de um povo, de um país. E já começava a se expandir como o grito de um continente. Os pobres da América parece que começaram a encontrar sua voz nas palavras do senador brasileiro. Mas a voz emudecera. Desabara a plataforma antes do lançamento. Como reconstruí-la? O que de fato sucedera?

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