Diário do escritor que não fui - 4 de dezembro de 2018

Hoje muitas coisas passaram em minha cabeça. Memórias do escritor que não fui e do leitor que se foi configurando pela vida, desde os primeiros livros de Lobato, de Malba Tahan, da Ilha do Tesouro, dos livrinhos de bolso e depois, da estante do meu pai. Ali, encontrei obras que me marcaram. Havia uma coleção de biografias que ele comprara no ano em que  nasci: 1954. Sempre repete que o vendedor disse-lhe, à época, que aqueles livros um dia seriam de muita utilidade para o filho dele. E na verdade foram mesmo.
Até hoje eu os leio. São biografias de pensadores, de escritores, artistas, homens e mulheres célebres, políticos e tantos outros expoentes da cultura. Neles eu pude tomar contato com a alma universal. Com grandes vidas que passaram pela terra. Fiquei conhecendo a aventura do pensamento e da arte corporificada e vivenciada. Vidas fascinantes que me deixavam extasiado e ao mesmo tempo me instigavam, convidavam-me a grandes voos. Os escritores e os filósofos, especialmente, tocaram-me o espírito de uma forma definitiva.
Desde aquela época cultivei o hábito prazeroso de ler biografias. Havia um mundo de altas sensibilidades e grandes ideias. Havia histórias e histórias de rebeldias, de saltos que o mundo já dera, a partir da coragem e da ação de grandes personagens. Eu, menino pobre, ia conhecendo o mundo, além das minhas limitações e da escassez. Viajava por aquelas vidas, aqueles cenários, aqueles outros lugares e tempos. E eu sonhava outras vidas, outros destinos para mim e para todos do meu mundo. Só não tinha interlocutor. Alguém com quem trocar aqueles sentimentos que experimentava com as leituras e os sentimentos que elas proporcionavam. 
E as palavras vestiam ideias que precisavam sair de dentro de mim. Foi-se assim estruturando o hábito, quase vício secreto de escrever, de inventar. 
Durante um tempo encontrei uma forma de me comunicar. Transformei minha poesia em letras de música. Fui aprendendo algumas notas musicais ao violão e comecei a compor. Na verdade, daquele jeito eu conseguia a conversa que sempre desejei: falar das coisas mais secretas, das realidades mais escondidas e isso junto com os amigos, com as pessoas que ouviam as minhas músicas e que cantavam comigo. Minha adolescência e início de juventude foi assim.
 Muitos anos depois, cheguei a conclusão de que isso foi um desvio por onde a minha história se perdeu um pouco. As concessões que através da música popular eu fazia ao gosto do momento e a minha dedicação àquelas criações, que foram muitas, fez com que eu não me aprofundasse o necessário, não lesse tanto quanto deveria, não estudasse mais a fundo a alma humana. E não exercesse o que eu mais desejava, que era seguir o caminho de me transformar verdadeiramente em um escritor. Mas uma grande viagem espiritual-literária aconteceu paralela a tudo que me acontecia. Foi a descoberta de Hermann Hesse, o escritor alemão que me encantou e que passou a ser o mestre da minha entrada no mundo adulto. Li tudo dele que fora traduzido para o português. E o fascínio pela escrita aumentou ainda mais.

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