Diário do escritor que não fui - 5 de novembro - continuação

Bem, volto aqui, para falar um pouco de como foi nascendo o escritor que não fui. Já andei perscrutando lá os primórdios, quando aprendi a ler e escrever e fui tomando gosto pela coisa. Depois vieram as leituras no colégio. Os primeiros livros que ganhei de presente. A biblioteca pública, como já falara, e as redações para as aulas de linguagem, como se falava antigamente. Comecei a gostar muito dessa parte. E as professoras das primeiras séries, parece que também gostavam da minha forma de escrever e, por essa razão, incentivavam-me e davam algumas indicações, que, à época, foram bastante positivas. Eu não permitia que ninguém se intrometesse com sugestões a respeito da forma ou das palavras. Fazia questão que tudo fosse feito por mim, porque, afinal de contas, a ideia era minha e ela vinha revestida de palavras que só eu mesmo poderia dizer. Caso contrário não seria a minha ideia e portanto não seria a minha redação. Era assim que o eu-menino pensava e agia.
Certa vez uma professora gostou tanto de uma redação minha que resolveu publicá-la na Revista Social da cidade. Eu tinha 10 anos e a maioria das pessoas não acreditava que o garoto dessa idade pudesse ter escrito aquilo sozinho. Olhando hoje, não era nada excepcional, mas talvez para um menino daquela idade, naquele período, estudando em escola pública fosse mesmo um pouco diferente do comum. Ela chegou a me levar na escola particular, para que os outros alunos me conhecessem.  Lá estudavam aqueles meninos que eram filhos de famílias de uma classe mais privilegiada, com mais posses. Eu morava em um morro de Petrópolis, ia para a escola de ônibus ou de carona em um jeep de auto-escola, junto com outros meninos. O moço que era instrutor de motorista nos dava carona. Tudo era uma aventura!
 E depois daquela redação, aconteceram outras e outras. Eu gostando muito de escrever. Ainda havia o fato de que eu percebia as coisas de formas diferentes e sentia necessidade de expressar aquilo. Tornou-se uma necessidade que nunca mais me abandonou. À minha volta não existia interlocutor com quem eu pudesse trocar aquelas impressões tão íntimas. E também as palavras me convidavam a uma cumplicidade e ao mesmo tempo à abertura de novas possibilidades. Certa vez uma professora me perguntou se eu escrevia porque era um dever ou se fazia por vontade própria. Então eu descobri a diferença que havia entre mim e os outros. Sim, eu escrevia por uma necessidade que vinha de dentro de mim. Algo que precisava sair. Era o meu diálogo com o mundo.

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