A CASA DOS HORRORES, parte I e II

A CASA DOS HORRORES, parte I

dezembro 15, 2009

Após dez anos, a ex-presa política Inês Etienne Romeu volta a Petrópolis e descobre a casa onde foi torturada e por onde passaram vários “desaparecidos”

A cena foi dramática. Em pé, no meio da rua, estavam Etienne Romeu e seus acompanhantes, dentro do Chevette cor de mel BW-1566 com um adesivo da Polícia federal preso no pára-brisa, trêmulo, visivelmente nervoso – ele chegou a bater o carro na garagem da própria residência -, Mário Lodders, o antigo proprietário da casa nº 668 da rua Arthur Barbosa, em Petrópolis.

Nessa casa, entre 8 de maio e 11 de agosto de 1971, Inês Etienne, militante da organização clandestina Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), acusada de participar do seqüestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, em 1970, presa pelo delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury na Avenida Santo Amaro, em São Paulo, em 1971, e condenada à prisão perpétua, depois reduzida para oito anos, que cumpriu integralmente, passou 96 dos piores dias de sua vida. Segundo seu relato, ela foi torturada, estuprada, submetida ao Pentotal Sódico, o chamado ”soro da verdade” e, depois de cada uma de suas duas tentativas de suicídio, medicada para recuperar as forças e ser de novo supliciada. Dez anos depois, graças ao telefone 40-90, número que ouviu em uma conversa de seus carcereiros e memorizou, Inês Etienne conseguiu localizar a casa de seus pesadelos.

Não havia ninguém no nº 668 da rua Arthur Barbosa quando os membros da caravana chegaram a Petrópolis, na manhã de terça-feira, dia 3. Mas no nº 120 da mesma rua, onde mora Mário Lodders, eles foram atendidos pelo caseiro Gervásio Araújo. Trabalhando há dez anos para Lodders, Gervásio não teve dúvidas em confirmar um relatório feito por Inês Etienne ainda em 1971: de fato, naquela época costumavam ficar na casa 668 dois homens conhecidos como “Pardal” – já identificado como Jais Fontes, soldado do 9º Batalhão da Polícia Militar, em Rocha Miranda, no Rio – e “Camarão, dois dos torturadores de Inês.

Exatos seis minutos depois de chamado por sua irmã Helena Júlia, assustada com a presença de tantas pessoas à sua porta, chegou Mário Lodders em seu Chevrolette cor de mel. Ele nem havia parado o carro quando Inês começou a falar: “O senhor está me reconhecendo? Estive em sua casa durante três meses em 1971, fiquei mantida em cárcere privado, fui submetida a torturas…”

Um homem de prestígio, Lodders tentou negar, mas, diante das evidências que Inês lhe apresentou – “O senhor me viu machucada, chegou a me dar uma barra de chocolate” – capitulou. Explicou que emprestou a casa, entre 1971 e 1978, ao ex-comandante da Panair e ex-interventor na prefeitura de Petrópolis, Fernando Aires da Mota, ligado, segundo Lodders, a um grupo paramilitar. “Ele é um prócer da revolução de 64, um homem de muito prestígio”, conta Lodders, “eu não tinha como negar”. Ele nega, porém, que tivesse conhecimento de que na sua casa se praticava torturas.

Arquivo da categoria ‘Uncategorized’

A CASA DOS HORRORES, parte II

dezembro 15, 2009

A descoberta parecer ter apenas aprofundado as divergências entre Lodders e Aires da Mota. Os dois, na verdade, já vinham se desentendendo desde 1978, quando Lodders se recusou a vender a casa que servia de centro clandestino de tortura ao antigo comandante da Panair. Por isso, Fernando Eduardo Aires da Mota, presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Petrópolis filho do ex-interventor, chegou a tentar matar o dono da casa. “Lodders está maluco”, defendeu-se Aires da Mota.

“Eu cumpria ordens”. O jogo de acusações e negativas que costuma acompanhar esse tipo de denúncias continuaria na quinta-feira, no Rio de Janeiro, quando médico e psicanalista Amilcar Lobo reconhecia ter estado em Petrópolis para prestar assistência médica aos presos. Ele se defendeu, dizendo que cumpria ordens do coronel Homem de Carvalho.

O coronel Homem de Carvalho, comandante da Polícia do Exército entre 1971 e 1972, e hoje na reserva e próspero empresário, proprietário de Homem de Carvalho Incorporações, também nega qualquer envolvimento. “Eu conheci o dr. Amílcar Lobo. Ele era tenente do Exército, mas nunca dei ordens para ele participar de coisas assim.”, defendeu-se o coronel. Inês Etienne já entrou na Justiça com ação contra Mário Lodders. São sés advogados o ex-ministro do Tribunal Federal de Recursos José Aguiar Dias e os deputados do PMDB Marcelo Cerqueira e Modesto da Silveira.

A casa da rua Arthur Barbosa, em Petrópolis, não foi o único “aparelho” – era assim, com o mesmo vocabulário de seus adversários de esquerda, que os órgãos de segurança se referiam a seus esconderijos – utilizado como centro clandestino de torturas. Além de suas instalações oficiais, havia um sítio em Sergipe, usado pelos órgãos de segurança de Salvador; um apartamento em Goiânia; uma casa no Recife; e dois sítios e uma casa em São Paulo.

Desses, o mais conhecido é a fazenda 31 de Março, em Parelheiros, São Paulo, usada pelo delegado Fleury e onde foi morto, entre outros, Joaquim Câmara Ferreira, o “Toledo”, na época o principal dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN). Mas havia, ainda em São Paulo, uma casa na Avenida 23 de Maio, utilizada esporadicamente para torturas, e um sítio na região de Atibaia, até hoje não localizado. Sobre esse segundo sítio sabe-se apenas que ficava próximo a um grande reservatório de água e que ali morreram vários prisioneiros cujos nomes hoje constam das listas de “desaparecidos”.

Frota contra o CODI-DOI. O mais importante, todavia, foi o “aparelho” de Petrópolis, agora descoberto por Inês Etienne Romeu. Sua localização poderá esclarecer não apenas divwersos “desaparecimentos” quanto o episódio da luta travada em surdina pelo general Sylvio Frota, então comandante do I Exército, e o CODI-DOI do Rio de Janeiro.

Apensar de profundamente anticomunista e de ser considerado um dos oficiais mais “duros” do exército, o general Sylvio Frota nunca tolerou o uso de torturas contra prisioneiros políticos. Por isso suas relações com os homens do CODI-DOI do Rio de Janeiro nunca foram muito cordiais. Elas se deterioraram ainda mais, entretanto, com a prisão por agentes do CODI-DOI de um parente de um dos oficiais de seu gabinete.

O oficial queixou-se ao comandante do I Exército de que seu parente estava torturado, e Frota ligou para então coronel Fiúza de Castro. Após esse telefonema, ele mandou que o oficial fosse pessoalmente verificar o tratamento que seu parente estava recebendo na prisão.

Ao chegar à porta do quartel da PE, na rua Barão de Mesquita, porém, o oficial teve sua entrada impedida.

O “Codão” de Petrópolis. Ao sabe disso, o general Sylvio Frota telefonou para o general Hugo Abreu, na época comandante da Brigada de Pára-quedistas, e ordenou que colocasse sua tropa de prontidão. Em seguida, ligou para o comandante do CODI-DOI para informá-lo de que seu oficial iria novamente visitar o parente. “Eu quero avisá-lo, comandante”, explicou Frota, “de que se ele não entrar, eu vou pessoalmente prender ao senhor e a sua guarnição.”

Desta vez o oficial conseguiu entrar, mas, aborrecidos com a atitude do comandante do I Exército, os homens do DOI-CODI carioca, para impedir novas interferências do comandante do I Exército, montaram o “aparelho” de Petropolis. A casa da rua Athur Barbosa, nº 668, passou a ser conhecida entre agentes dos órgãos de segurança e prisioneiros políticos como “Codão”, e ali foram torturados – e desapareceram – prisioneiros não apenas do Rio de janeiro mas também de Belo Horizonte, Goiás, Espírito Santo e até do Rio Grande do Sul, do nordeste e de São Paulo.

Ainda na quinta-feira, dia 5, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Eduardo Seabra Fagundes, encaminhou ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) o requerimento de parentes de cinco desaparecidos que sofrerão maus tratos do “Codão”, em Petrópolis. E a Comissão de Direitos Humanos da PAB, por outro lado, decidiu ouvir todos os antigos presos políticos que, em alguma época, foram tratados pelo médico Amílcar Lobo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Do blog Democracia & Política: Santos Dumont

Joaquins

Salário do professor no Brasil é o 3º pior do mundo