Inês Etienne Romeu é de Pouso Alegre, lá do sul de Minas, das divisas. Quando Inês nasceu, Pouso Alegre era desses lugares onde o tempo corre manso e onde as pessoas tocam vidas sem susto.
Podia ter ficado e posto casa buliçosa de filhos, cultivado jardins, feito caridade e acreditado que vivia de bem com Deus. Era vida possível, aprovada, naquele mundo de chuvas, beleza e mistério da Mantiqueira. Mas Etienne olhou a cidade e o campo, e resolveu dizer não.
Estudou História e trabalhou como bancária no Banco do Estado de Minas. Foi militante política, com atuação no Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e no movimento estudantil dos anos 60. Inês pertenceu às organizações Política Operária e Vanguarda popular Revolucionária.
Como tantos outros jovens da sua geração, Inês participou da luta armada contra a ditadura. Como tantos outros brasileiros, contestou, na força das armas, o regime militar de 64.
Mesmo sem ajuizar essa opção de luta, não se pode negar a sua coragem, sua grande ética e a sua generosidade em arriscar a vida para defender a liberdade e os direitos da grande maioria do povo brasileiro.
Nas décadas de 60 e 70, o Brasil esteve convulsionado pela guerrilha e pelo terror de Estado. É preciso repetir sempre que, neste país, a guerrilha não foi terrorista; ao ato de guerra revolucionária, foi o Estado quem respondeu de forma fanática, absoluta e impune, com a tortura, o assassinato e o desaparecimento de centenas de pessoas.
Inês Etienne caiu presa em maio de 1971, em São Paulo, onde foi torturada pelo delegado Fleury e, depois, transferida para o Rio de Janeiro, onde sofreu os mais bárbaros suplícios. Em 1972, foi condenada a prisão perpétua; permaneceu na penitenciária de Bangu até 1979.
Dois anos depois, com o apoio de entidades como a OAB e a ABI e de familiares de desaparecidos políticos, denunciou o cárcere privado onde esteve seqüestrada – a sinistra casa de torturas, em Petrópolis – relacionando as pessoas que lá estiveram e que, desde então, constam como desaparecidas. Inês denunciou a participação, nas infernais sessões de tortura, do médico Amílcar Lobo, cujo papel infamou, mundo afora, a classe médica brasileira e cujo registro profissional foi cassado pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro.
Os policiais e os militares que prenderam e torturaram Inês quiseram cravar-lhe o medo mais noturno, quebrar sua alma, desumanizá-la, matá-la mil vezes. Não conseguiram destruir Inês Etienne, mineira de ferro, criatura solar, nossa irmã.
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